domingo, 29 de novembro de 2009

This wind, temptation


"Bem, 'tá visto que tens de pôr um carimbo na testa... É burra, ou quê?"

Pois. Não sabia. Não sabia mesmo. Sempre fora bem sucedido no bailado da sedução. Uns olhos do tamanho do mundo que pescavam quem neles tropeçasse, um sorriso malandro, umas piadas inocentes... inevitavelmente arrastava a presa consigo, deixando as ossadas para trás após obter o desejado. Não se prendia, não tinha paciência para isso, não lhe mereciam o empenho nem o tempo.
Mas esta... esta tinha algo de... diferente. Não conseguia fazer com que se rendesse. Incomodava-o, a sensação de uma conquista falhada. O jogo tornara-se obsessão, quase guerra, tinha de se provar a si mesmo. Os outros que se lixassem. A gaja tinha de ser dele. A obsessão crescera, pensava apenas no próximo passo, no próximo trunfo a jogar.
Não, nada funcionava.

A obsessão passara a desespero, a impotência.

"És um cabrão! Apaixonaste-te pela gaja!"

Sim, sentia-o. Queria a gaja. As ossadas não seriam deixadas ao abandono. Dele, para sempre dele.



This wind, temptation - David Fonseca

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

The empty threats of little lord

Gostava de repetir as palavras até à exaustão, ultrapassar o limiar em que significam algo, chegar às letras - ao som - ocas e vazias. Encontrava nesta manobra um refúgio da porcaria que lhe ia acontecendo, menos onerosa que o black out de uns copos de aguardente, ou de uma mão-cheia de hipnóticos. (À conta disso, tinha já ido parar ao hospital por diversas vezes, levou com tubos pela garganta abaixo, foi encafuado numa enfermaria com gente maluca... - não, isso nunca mais!)
Naquela hora incomodava-o a inutilidade que se sentia - e que era, vistas bem as coisas, que nem precisavam sequer de uma visão tão acurada, bem verdadeira; era mais do que inútil - era uma coisa invisível mas que custava e gastava ao planeta recursos tão necessários à sobrevivência das diversas espécies e da sua própria, num jogo de parasitanço infindável que, inevitavelmente, teria de findar. Este raciocínio era pesado por demais; contentava-se em sentir-se inútil, sem querer aprofundar a razão da coisa. Aliás, já nem se sentia inútil, de tanto ter repetido a palavra, as sílabas, os fonemas, o som... oco. O vácuo inundava-o e dava-lhe um bem-estar como não sentia há muito - como já não se lembrava de alguma vez ter sentido. Andava sem rumo pelas ruas da cidade, vendo mas não olhando, fazia-lhe impressão qualquer coisa que não sabia definir - seria a chuva miudinha? o vento que acordava por vezes? os pedintes a esticar a mão? os putos ranhosos que se julgavam gente? - enfim, vagueava em transe, perdido nas ruas e ruelas da cidade e da sua cabecita vazia de sentimentos e significados. Nunca lhe tinha acontecido chegar tão longe... estava mesmo em risco de se perder indefinidamente dentro de si, o nada que o preenchia era demasiado aliciante; chegavam-lhe ainda umas alucinações - memórias da vida que tinha (e que estaria prestes a deixar): o duplex no bairro in, decorado por quem percebia do assunto - enfim, um pequeno palacete, o automóvel que não era topo de gama mas pronto, a namorada que ia e vinha e ia e vinha, enquanto outras vinham e iam, o trabalho que lhe fazia cair todos os meses uma quantidade generosa de €€ - trabalho que fazia só porque era suposto, o health club que já fora terapêutico, os sítios que visitara, as putas que fodera,os jantares com a família nas alturas que tinham de ser...
"Inútil, inútil, inútil, inútil, inútil, inútil, iiinnnuuutttiiilllllll, --- --- --- --- --- --- ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------"

Pronto. Estava feito. Abandonara de vez o mundo. Mas, porra!, não teve o mundo a sorte de ele ter morrido... não, inútil mas parasita, num qualquer sanatório, até ao final dos seus dias, que se adivinhavam longos.


The empty threats of little lord - Sunset Rubdown

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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Uprising

... mas ao contrário. Esta anedonia insiste em arrastar-me. *GRITO*
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