sábado, 23 de janeiro de 2010

Silent void



Uma, duas, três. Três almofadas. A primeira, a segunda e a terceira. Variável ordinal não sabe por que escala, se pela cronologia da compra, se pela frequência do uso. Dedicava-se, à laia de brincadeira, ao mundo das variáveis, da investigação - umas coisitas de nada, afirmava para si, um passatempo, uma paixão por descobrir. Tinha, assim, tendência a classificar as coisas da vida, a categorizá-las, variáveis infinitas dependentes ou independentes - as primeiras sabia que existiam, vergadas sabe-se lá por que forças; das segundas duvidava ("variável" independente nem a morte o é, tanto pode o filho do vizinho, rapaz borbulhento a iniciar os pulos hormonais, como o pai, velho moribundo que expira os últimos laivos de ar que ainda moram nos pulmões cancerosos, morrer a qualquer altura, talvez vá o filho antes do pai, não tenha cuidado ao atravessar a rua).

Três almofadas, três casas, três camas, três corpos, o dela e os deles. Sabiam - ou pensavam - disputar a mesma mulher, cada um disparando os seus encantos; tentavam torná-la variável dependente do mundo deles. Acabava por ser um jogo de escondidas, hoje com um, amanhã com o outro, depois sabe-se lá o que lhe irá apetecer. Não era movida pelo amor, tinha excluído essa variável da sua vida. Era a curiosidade, o desafio, o quê de animal que era (cem por cento?), o jogo de cintura, a habilidade, a balança entre duas vidas.

Pensavam disputá-la, pensavam conhecê-la, pensavam tê-la. Ela ria-se destas certezas infundadas, construídas do nada, dava-lhe gozo manipular - sem o querer, lá no fundo - os "corações" daquelas duas almas. A ela bastava-lhe o silêncio, a esquizofrenia cega do "amor" encarregava-se do resto da alucinação que os fazia viver.

Conhecer, ninguém a conhecia. Se havia variável que podia controlar era o seu ser, os seus olhos, a sua essência. Conhecê-la? Ninguém. Tê-la? Apenas por breves momentos.

"Hoje tu, amanhã tu também, depois o outro, depois... depois o quê? por quê? PARA QUÊ?". Percebeu que ela era a única variável independente no mundo. Levou consigo as almofadas e fechou, com cuidado, as portas atrás de si.

[Esta epifania, ela não a aguentou. Foi-se antes do pai e do filho do vizinho.]


Silent void - David Fonseca

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