quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Pioneer to the falls



Acordara já cansada. O primeiro choro, rouco, mal se ouvira; nem depois de umas sacudidelas suaves a criatura parecia arrebitar. Enfezadita, pouco mamava, pouco queria, reclamava de quando em vez por um pouco de comida. Tanto passava despercebida que a própria mãe se esquecia dela.
Apesar de tudo e de ir contra todas as expectativas (que eram nenhumas) a criatura crescia, sempre na sombra, sem incomodar o mundo que parecia não reparar nela, podem as borboletas provocar furacões com um simples bater de asas, mas a presença dela nem aquecia nem arrefecia a terra sobre a qual caminhava. Era uma sombra de si própria, voz muda, talvez tivera sido feita à imagem e semelhança do divino que diziam habitar em todo o lado. Nada esperavam dela; para todos os efeitos, nem sequer existia - apenas uma nódoa mais que manchava a superfície do mundo. Por cá andou tempos infinitos, sempre sombra, sempre encolhida, ela esquecida da vida e a morte dela esquecida; nascera já cansada, acordara de mão dada com a morte que tardava em vir, em resgatá-la daquela vida inerte, sonsa, parada, charco de lama imutável. Mas quando se lembrou, a morte, de pôr um ponto final ao que uma vida? tinha sido... ah, nunca se ouvira som tão horrendo, que varreu oceanos e continentes, arrepiou cobras e lagartos e aterrorizou todas as criaturas da terra; era como se, desde que nascera, tivesse guardado dentro de si tudo, toda a vida, todos os sons, palavras, gemidos, sussuros, TUDO, para tudo libertar no momento em que, cansada como sempre estivera, se findara. Nesse dia, nem as borboletas nem os elefantes causaram furacões.

Pioneer to the falls - Interpol

sábado, 23 de janeiro de 2010

Silent void



Uma, duas, três. Três almofadas. A primeira, a segunda e a terceira. Variável ordinal não sabe por que escala, se pela cronologia da compra, se pela frequência do uso. Dedicava-se, à laia de brincadeira, ao mundo das variáveis, da investigação - umas coisitas de nada, afirmava para si, um passatempo, uma paixão por descobrir. Tinha, assim, tendência a classificar as coisas da vida, a categorizá-las, variáveis infinitas dependentes ou independentes - as primeiras sabia que existiam, vergadas sabe-se lá por que forças; das segundas duvidava ("variável" independente nem a morte o é, tanto pode o filho do vizinho, rapaz borbulhento a iniciar os pulos hormonais, como o pai, velho moribundo que expira os últimos laivos de ar que ainda moram nos pulmões cancerosos, morrer a qualquer altura, talvez vá o filho antes do pai, não tenha cuidado ao atravessar a rua).

Três almofadas, três casas, três camas, três corpos, o dela e os deles. Sabiam - ou pensavam - disputar a mesma mulher, cada um disparando os seus encantos; tentavam torná-la variável dependente do mundo deles. Acabava por ser um jogo de escondidas, hoje com um, amanhã com o outro, depois sabe-se lá o que lhe irá apetecer. Não era movida pelo amor, tinha excluído essa variável da sua vida. Era a curiosidade, o desafio, o quê de animal que era (cem por cento?), o jogo de cintura, a habilidade, a balança entre duas vidas.

Pensavam disputá-la, pensavam conhecê-la, pensavam tê-la. Ela ria-se destas certezas infundadas, construídas do nada, dava-lhe gozo manipular - sem o querer, lá no fundo - os "corações" daquelas duas almas. A ela bastava-lhe o silêncio, a esquizofrenia cega do "amor" encarregava-se do resto da alucinação que os fazia viver.

Conhecer, ninguém a conhecia. Se havia variável que podia controlar era o seu ser, os seus olhos, a sua essência. Conhecê-la? Ninguém. Tê-la? Apenas por breves momentos.

"Hoje tu, amanhã tu também, depois o outro, depois... depois o quê? por quê? PARA QUÊ?". Percebeu que ela era a única variável independente no mundo. Levou consigo as almofadas e fechou, com cuidado, as portas atrás de si.

[Esta epifania, ela não a aguentou. Foi-se antes do pai e do filho do vizinho.]


Silent void - David Fonseca

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Butterflies and hurricanes


Não estava a par das últimas teorias acerca do nascimento do universo, mas sempre gostara da do Big Bang - ou, como dirão os entendidos, do "small schhhhhh", já que no nada não existe o som e "a partícula" original seria pequenina, big bang só mesmo para soar a coisa importante e que, a ter existido, o foi de facto. Fascinava-a a ideia de ser uma montagem de infinitas coisas que já viajaram biliões de biliões de km, que já foram estrelas vivas e mortas, que foram água, pedra, lava, ar, que foram bicharocos que não chegaram aos dias de hoje, átomos e outras miudezas de seres vivos, átomos e corações de seres não-vivos (como os asteróides que flutuam no vazio, como a pedra que chuta na calçada). Tudo isto a fazia sentir imensamente importante - tinha a certeza que era única no mundo, irrepetível, insubstituível, apesar de tudo o que dela fazia parte ter sido já usado por milhares de vidas e outras coisas não-tão-vivas, desde sempre, desde o início - desde o small schhhhhhhhhhhhh. Não tinha medo de desaparecer, pois tudo o que era seria, sabiamente, reutilizado; reencarnaria certamente noutros corpos, os átomos de oxigénio que possui seriam respirados por outros, faria parte do ar, seria nuvem, seria chuva, seria fogo, seria água, seria larva, seria leão, seria cacto, seria rosa, seria espinho, seria sal, seria lágrima, seria madeira, seria diamante.
Sabia-se eterna. E eternamente dançaria ao sabor das forças que, há biliões de milénios se libertaram e fugiram e andaram soltas até que, por escassas nano-fracções de segundo, convergiram para juntar todos os átomos e coisas mais pequenas ainda que a faziam, que a "eram", a ela, singularidade neste universo imenso, única, irrepetível, eterna.

(Inquietava-a não saber de que partículas era feita a alma... Inquietações que ficarão pairando no ar, até qualquer outra hora)

Butterflies and hurricanes - Muse

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Inflatable


Glad to know they all (?) have boyfriends. Well, here isn't quite the same...

Inflatable - Bush

Letting the cables sleep


I heard the beats of a dying heart.

Damn! can't you just stop and let go? Too much pain... too much sorrow... Just let go. I know you will soon taste the sweetness of death.

Letting the cables sleep - Bush

sábado, 2 de janeiro de 2010

Kicking like a sleep twitch


Keep spinning around yourself... where the hell are you expecting to fall? Nothing turns faster than you, in a heart beat every little thing you take for granted vanishes... leaving you in the exact same place, with the exact same emptiness that ever ran through your veins. Just you... full of nothing.

Papillon - Editors